segunda-feira, 15 de junho de 2015

ENQUANTO PAPAI NÃO VEM



             Seus braços eram como poderoso campo de força onde nenhum inimigo ousaria penetrar.
            Sua voz tinha o poder de um trovão, e quando ele falava, parecia que eu estava diante de um superpoder, um som capaz de ser ouvido em todos os cantos do universo.
            Quando ele me pegava no colo, eu subia à mais alta torre, inexpugnável, ali eu podia ver o mundo.
            Peguei carrinhos para ir treinando, pois ele era motorista, queria ser como ele.
            Houve um tempo em que eu imaginava que ele dirigia as naves espaciais que povoavam meus sonhos de criança.
            Até mesmo quando ele chegava tarde em casa, eu fingia dormir, e mesmo que ele não viesse no meu quarto, os passos dele eram a trombeta dos soldados avisando que toda família estava protegida.
            Mas algo estranho começou a acontecer, e a presença do meu herói rareava.
            Certamente, ele devia estar em alguma missão especial, pois não eu o via quando acordava e também não tinha forças para esperar o toque da trombeta, o sono sempre me vencia.
            E quando, durante o dia, eu ligava para o trabalho dele, sempre ouvia a mesma frase: “Papai não tem tempo.”
            E a primeira apresentação da escola chegou, mas ele não estava ali.
            Do palco procurei por ele, utilizei minha supervisão de raio X, mas que nada, não consegui localizar meu herói.
            E ao perguntar à minha mãe, ela sempre dizia:
            “Enquanto papai não vem...”
            E foram muitas as vezes que ele não veio.
            Fui me acostumando, mesmo quando via outros pais fazendo de tudo para estarem junto a seus filhos.
            E eu sempre ouvia:
            “Enquanto o papai não vem...”
            Fui crescendo e entendendo que não existem heróis, era tudo coisa da minha cabeça.
            Mas eu tinha necessidade dos superpoderes que só meu pai podia me mostrar.
            Descobri que ele e todos os pais são apenas aprendizes e que erram também.
            Agora, com quinze anos, percebo que existem outros vilões a serem derrotados e que nem todos os pais heróis têm poderes suficientes para isso.
            Enquanto papai não vem, eu vou descobrindo o mundo sozinho.
            Papai não consegue derrotar alguns inimigos que eu vou conhecer quando for adulto.
            Mamãe faz de tudo, mas nem sempre ela consegue me proteger das armadilhas do mundo.
            Depois de algum tempo, papai não veio mais para casa.
            Nos vemos de vez em quando.
            Não existem mais torres, nem superpoderes, mas eu gosto muito de estar com ele.
            Um dia os pais vão descobrir que seus filhos sempre esperam pela presença deles.
            Meu olhar com a supervisão identificadora e localizadora do meu pai está guardado, agora tudo mora nas minhas lembranças e no meu coração.
            Sigo crescendo, enquanto papai não vem...

            Adeilson Salles

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